FIM DE TARDE




 Em um fim de tarde, saindo de um final de expediente de trabalho. Talvez, aquela fosse a última vez que o garoto pisasse ali. Talvez, fossem seus últimos passos indo pra casa. A última entrada em um ônibus, os últimos minutos daquele percurso diário de segunda à sexta.
 Eram quase sete da noite quando o rapaz chegava em casa. Meteu a mão no bolso da calça e abriu a porta da sua casa. Eram passos e movimentos calculados. Pensando em tudo que já tinha passado, tudo que já havia ganhado e perdido. As perdas eram maiores, era por isso que aquilo ia se acumulando e a coisa pesava. Aquele dia, o jovem rapaz estava decidido a fazer o que sempre pensou. Tudo por um grande vazio que sentia, eram tantas perdas que conseguiu impor um certo limite na sua vida.
 A porta da frente se abre, ninguém em casa. Era um momento perfeito pra entrar no quarto, se trancar e finalizar tudo. O garoto sabia que aquilo seria idiota, mas não agüentava mais sofrer. Suas vontades, seus desejos. Tudo jogado fora, tudo ia junto de acordo que perdia algo que amava. Sofrimentos iam pesando cada vez mais. Sua alma partiu, tudo se tornou algo frio. Pedra de gelo ao alcance da sua visão era um branco e cinza indefinido.
 O garoto vai diretamente pra sala, onde havia uma estante. Dentro de uma porta de vidro pequena havia muitos remédios. O garoto pegou tudo que podia e levou até o quarto, despejou tudo por cima da cama. Trancou a porta do quarto, ligou o som com músicas de rock que ele sempre escutava. Era o que mais amava. Já estava cansado de tanta hipocrisia, tantas brigas com sua família. Discussões que já eram banais, perdas que eram violentas além do seu limite em suportar tudo aquilo. Um certo tremor em suas mãos, mas com uma total determinação do que queria fazer. Ele tinha consciência de que não imaginava como seriam as coisas depois, pra onde iria. Por isso mesmo, nem se quer questionava a si mesmo. Só queria saber de acabar com a dor, com o sofrimento que já o perseguia desde tempos. Sua alma já havia partido, não se importava com mais nada. Seus sentimentos foram pro além, tudo que restava de ter algum carinho e afeto, tinha explodido dentro do seu coração.
 O Garoto sentou no chão, encostado na cama. Começou a berrar feito louco. Chorava, se batia no chão. Junto com os gritos podia ouvir um "por que". Como se estivesse questionando tudo que já havia vivido. Aproveitava o som da música alta pra berrar cada vez mais, em volta e meia colocava sua cara no travesseiro e berrava com todas as suas forças. Toda a vontade era como se toda aquela dor que já havia passado estivesse atacando novamente, mas só que tudo de uma vez. Pegou os remédios, encheu a boca com todos que estavam ali. Era uma quantidade absurda, ele sabia muito bem que aqueles remédios eram fortes demais e era essa a intenção. Depois de tomar quase tudo, sentou-se novamente perto da cama e começou a chorar sussurrando: "por quê? por quê? por quê?". O tremor começou a aumentar, sentia dor por todas as partes do corpo. Caiu no chão e começou a sentir dores cada vez mais fortes. Tudo começou a ficar escuro de repente, não estava mais sentindo o seu corpo. Sua mente estava ficando vazia, não conseguia mais raciocinar. Tudo foram sumindo, todos os seus sentidos e forças não estavam mais lá. Depois de duas horas, seus pais chegam em casa e vão diretamente pro quarto do garoto. A porta estava trancada, mas o ar condicionado estava ligado. Não havia mais música alguma tocando. Os pais chamavam pelo nome do rapaz, mas não respondia. A porta é arrombada, tarde demais. O Garoto já estava morto.

Comentários

  1. Poucas pessoas entendem essa dor...a morte ser um alivio ja não mais preocupa. a sociedade dita regras, e quando vc encontra outros modos de vida vc é discriminado.

    Que menos pessoas sofram tanto...e que não seja tarde para salvar vidas !

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